Séculos atrás, numa pequena cidade do norte da Itália, uma menina de treze anos avistou do balcão um garoto apenas um ano mais velho e proferiu essa frase ao mesmo tempo maravilhosa e imbecil: “Se casado tiver, uma mortalha será meu véu de noiva…”. Eis o mérito da questão, pois desde que me entendo no mundo, tive com a paixão uma relação das mais complicadas, um lado meu atraído (o que é dizer pouco…) por essa vertente “germânica” dela, total, irredutível, irracional, absoluta, mística na verdade (perder-se, dissipar-se, abolir-se no outro até que o mundo mesmo desabe e se perca), o outro lado, ninado pelos estóicos como pelos epicuristas e pelo Oriente, vislumbrando-na como perigo, mortal veneno, pois só ela consegue, se não contida, nos afastar da sabedoria, da felicidade e dessa paz de dentro que tanto prezo…
Pois bem, uns trechos da “Felicidade”, texto que escrevi diretamente em português há quinze anos mais ou menos e que tem tudo a ver:
“Se o desejo quase sempre é carência, isto ocorre pela temporalidade dele; o desejo só é carência quando torna-se esperança. AGIR, é satisfazer as exigências de um desejo que não é falta, mas, no ato mesmo, uma potência – o que não proíbe de maneira alguma que o prazer acabe sendo encontrado…O que Platão diz do desejo (desejamos o que nos falta), seria verdade, não do desejo (como potência de gozar), mas do desejo (como gozo potencial) – não do desejo, mas sim da esperança!
Eis porque a felicidade está falhada; não por causa do desejo (que ela, de fato, está pré-supondo), mas POR CAUSA DA ESPERANÇA. No Ocidente, ninguém percebeu isso melhor do que os estóicos. A esperança é uma PAIXÃO ou seja, na sua linguagem, um movimento despropositado da alma que afasta-se da natureza. O sábio não pode ressenti-la: ele vive no presente e nada lhe faz falta. Desprovido de desejo? De modo algum: mas o desejo dele só diz respeito ao real e ao presente (que não é um instante, mas uma duração), seja para alegrar-se mesmo assim, quando não está em seu poder satisfazê-lo, seja para cumpri-lo, quando está. Este último desejo (de um bem presente que depende de mim) foi chamado pelos estóicos de VONTADE ou seja, a potência de agir. Na medida em que o sábio quer tudo que está acontecendo, tudo só acontece do jeito que quer; está feliz, sem jamais espera-lo (esperar o que, aliás, pois já afortunado?) Nada mais vão do que esperar a virtude (pois ela depende apenas de nos), nada mais triste do que esperar a felicidade (pois isso quer dizer que não a temos…); felicidade e virtude, em vez de contraporem-se, convergem, confluem; são elas as marcas da vitória da vontade sobre a esperança, e é nessa exata medida também que elas são liberdade. O sábio faz tudo que quiser pois ele quer (e quer apenas) tudo o que faz: “Não esperar, nada fugir, mas contentar-se da ação presente…”( Marco Aurélio)
Em poucas palavras, a felicidade absoluta, ilusória e impossível, é talvez o principal obstáculo que nos separa da felicidade real, sempre relativa, e que sempre carrega uma parte de luto e renúncia.
Porém, o que de costume nos alegra – para dizer a verdade, apenas no imaginário e no devaneio na maior parte dos casos – é a idéia de possuir o outro (nesse caso não é ele que amamos, mas sua posse) ou de ser amado por ele (nesse outro, também não é ele que amamos, mas seu amor); é o que chama-se de paixão, sempre egoísta, sempre narcisista, sempre prometida ao fracasso…Não podemos possuir ninguém, nem jamais sermos amados como desejaríamos, é talvez a única decepção a qual ninguém chega a habituar-se ou conformar-se…
O amor, o verdadeiro amor (que é amor não de si, mas sim do outro) é sempre generoso; nada lhe faz falta (pois é ele desejo não do que não é, mas do que é), nada pede (pois nada lhe faz falta), nada espera também .
“Estar apaixonado é um estado – dizia Denis de Rougemont – amar, um ato”, e apenas os atos dependem de nos…Sem a todo custo recusar a paixão, é então nesse ato de amor (não o amor-paixão, mas o amor-ação) que devemos nos concentrar. Não há “EROS/amor de si” totalmente feliz, é a nossa parte de loucura, não há “PHILIA, AGAPÈ/amor do outro” infeliz, é a nossa parte de sabedoria “
Merci.
C’est gentil! (mais, comme il me semble que tu m’avais dit que tu ne lis pas le portugais, il n’y a vraiment pas de quoi…lool)
pour le coup en effet..pas la peine de lire..;-) lol